Professor emérito do Instituto de Educação da Universidade de Londres, o pesquisador Robert Cowen esteve nesta sexta-feira (23) em Vitória para a conferência de abertura do Congresso da WFCP e da Reditec, em que abordou a trajetória da educação profissional no mundo.

Em entrevista à equipe de comunicação do evento, Cowen destacou a importância de que o ensino profissional esteja sempre associado ao conhecimento da história e das implicações sociais das inovações e disse ainda que o principal obstáculo que o Brasil enfrenta para tornar-se uma potência econômica é a desigualdade na distribuição de educação de qualidade entre sua população.

P – A inovação e a tecnologia têm mudado a maneira que vivemos, nos relacionamos e trabalhamos. Qual é o papel que a educação profissional pode ter na vida das pessoas nesse mundo em constante mudança?

R – A questão mais importante hoje em dia é que as pessoas que estão “estudando na educação profissional” devem ser estimuladas, desde o princípio, a entender o significado social do que estão fazendo. Toda inovação brilhante deve estar sempre acompanhada de um sentido de que isso será mais do que uma inovação técnica sensacional. Lembre-se que Einstein, originalmente, encorajou o presidente dos Estados Unidos a investir em armas nucleares. Eu tenho certeza que ele se arrependeu desta decisão durante toda sua vida, porque ele não entendeu as implicações sociais daquela inovação. Por isso, é importante que todos que estão na educação profissional estejam sempre alertas, sociologica e historicamente, da importância do trabalho que estão realizando e, também, dos impactos sociais que ele pode ter.

P – No Brasil nós temos vivenciado esta mudança de paradigma na educação, que está se tornando cada dia mais tecnológica, com ênfase maior em habilidades e competências técnicas. Quais são as armadilhas e os perigos dessa abordagem?

R – Certamente há muitos perigos. O sistema educacional por muito tempo deu mais importância ao ensino de humanidades e línguas, como por exemplo, grego ou latim. Hoje, há um reequilíbrio, com ênfase nas ciências, nas tecnologias, na matemática, na programação de computador. A questão está em quanto tempo esta ênfase será dada durante o período escolar. Por exemplo, no Brasil as crianças se tornam socialmente aptas bem cedo, especialmente em termos de dança, música e relacionamentos interpessoais. Esta educação social é muito importante e é algo que não temos, por exemplo, na Inglaterra. A pergunta é por quanto tempo os estudantes devem ser expostos a um sistema que valoriza habilidades e competências técnicas, como vem sendo o caso. Quanto tempo queremos que a vida escolar de nossas crianças sejam dominadas por um tema, por uma motivação apenas?

Eu não quero que toda a vida escolar de uma criança seja estudando grego e latim, mas acredito que parte dela deve ser para aprender história e sociologia com profundidade. A questão crucial é fazer as crianças refletirem, o mais cedo possível, em como será o século XXI. Para abordar essa pergunta, você tem que olhar para o passado, aprender sociologia, entender as diferenças entre as culturas. Uma vez que se pergunta como o futuro será, você é forçado a olhar para trás, e aí nós teríamos um contexto, onde habilidades e competências técnicas são importantes, mas o contexto em que elas são desenvolvidas mais ainda.

P – Qual o papel que a educação profissional pode ter para que o Brasil se torne, finalmente, uma potência mundial, como é esperado há anos?

R – Não tenho muita certeza que a educação profissional fará isso, não sozinha pelo menos. A análise econômica do que torna uma país um potência inclui matéria-prima, recursos naturais, grandes populações, imensas extensões de terras. Brasil, Índia, China, os BRICS, são todos países grandes que têm potencial. Mas para tornar-se uma grande nação econômica é preciso também estabilidade e continuidade política, de políticas públicas. A Rússia, por exemplo, tem potencial, mas as revoluções no começo do século, a desintegração do comunismo, a ascensão do autoritarismo com Putin, são fatores que prejudicam a realização deste potencial de se tornar um potência econômica. O mesmo raciocínio vale para a África do Sul. Então acho que é uma questão de estabilidade política, porque educação é política.

P – Nesse sentido, onde o senhor coloca o sistema educacional do Brasil em comparação com outros países que integram os BRICs?

R – Não consigo fazer essa análise apenas pela observação. Se você olhar, entretanto, as estatísticas da Unesco, em coisas como a classificação de universidades, a Universidade de São Paulo está entre as 200 melhores do mundo. Então, em números, você consegue identificar onde o Brasil está. Outra coisa relevante é o investimento que agências de fomento à pesquisa como a Capes e o CNPq têm feito por décadas e que claramente tem dado resultado. A educação que a classe média brasileira possui é muito alta como, por exemplo, a habilidade e competência técnica dos médicos e dentistas brasileiros é impressionante.

Então, o problema é mais a distribuição da educação. Muitas universidades são muito caras, ou não têm qualidade, por isso as pessoas vão para as Federais, que por sua vez acabam tornando-se elitistas, pois são difíceis de ingressar. Assim, o grande problema no Brasil está na distribuição desta educação entre a população, até porque em algumas camadas os obstáculos sociais são enormes. Isto é uma herança histórica do Brasil que, por exemplo, só aboliu a escravidão extremamente tarde. Então é claro que precisa haver um investimento maciço na distribuição de renda e, consequentemente, da educação.

Vinícius Villas Boas Bazenga Vieira – WFCP/Reditec 2016

Crédito: Mosaico Imagem